09/05/2021

Este Brasil faz mal à saúde

Por Maria Inez Padula Anderson - Médica de família e comunidade, professora da UERJ *


Todas e todos sabemos que, além dos aspectos biológicos, fatores sociais, ambientais, psicológicos têm alto impacto nas condições de saúde das pessoas, das famílias e das comunidades.

Muitas vezes, ou talvez grande parte das vezes, não refletimos sobre isso na nossa vida em sociedade e seguimos, no ritmo frenético do cotidiano, sem questionar como estamos vivendo, o que acontece e o que está sendo feito relativamente a estes aspectos.

Naturalmente, cada pessoa, sua família, têm ou deveriam ter responsabilidade e condições de cuidar da sua saúde da melhor maneira possível.

Mas, quando falamos da saúde da população, dos grandes, dos macro-fatores que afetam a saúde de todos nós, ao fim e ao cabo, quem seriam os maiores responsáveis para cuidar destes aspectos?

As políticas públicas, os governos, os políticos, os empresários da saúde e da educação, os grandes empresários da comunicação e marketing, os grandes produtores de alimentos, os que detém maior poder de compra (não importa de que ramo) são os maiores e centrais atores que podem transformar as condições que nos circundam a todos e todas, em meio de cultivo de saúde ou de doença.

Estamos acostumados a pensar que a saúde é um bem, uma característica individual, que depende somente de a pessoa cuidar bem ou mal da sua saúde, e há quem ganhe (muito) com esta falsa premissa.

Infelizmente, a saúde não tem e nunca terá uma origem individual, uma vez que, apesar de se manifestar no individuo, a saúde e a doença serão sempre o resultado de aspectos de cunho individual, familiar, mas, fortemente, simultaneamente, de fatores sócio-ambientais e culturais. Sabemos que ela depende da água que bebemos, da comida que comemos, do ar que respiramos. Mas muitos se esquecem de alguns aspectos fundamentais que têm igual ou maior força na capacidade de nos adoecer ou nos manter saudáveis: a carga de estresse que vivemos, as condições de trabalho, as condições do tráfego, a presença ou ausência de espaço e tempo para o ócio, para o contato com a natureza, para a prática de atividades físicas, para o lazer e para a arte, para o tempo que temos para amar e ser amados, para dar e receber afeto, para cuidar do outro (o cuidado é essencial para nos concebermos como humanos), do reconhecimento e pertencimento a uma coletividade, de podermos nos identificar com uma cultura que nos orgulhe, enfim do tempo que passamos vivendo, ou simplesmente sobrevivendo.

O Brasil, esta bela e rica terra abençoada, que nos têm dado tantas possibilidades de ter saúde, nunca foi uma nação onde, de modo geral, os governantes, os políticos e detentores do poder, cuidaram bem do seu povo, ao contrário. Ao longo dos seus mais de 500 anos de história, salvo períodos espasmódicos, temos sido governados, direta e indiretamente, por representantes que mantém políticas que, cada vez mais, cuidam dos seus interesses individuais e corporativos, e que fazem e continuarão fazendo isso, sem remorso, sem quaisquer questionamentos de ordem ética. Estamos uma nação sem educação, sem amor-próprio; aporofóbica, racista e preconceituosa. Talvez o símbolo mais nefasto desta trajetória, e para o qual precisamos ter plena consciência – é que somos um povo que – em pleno século XXI – escolheu para presidente um homem que faz a apologia da morte, da tortura, do extermínio e age em conformidade com estes princípios.

Estou aqui me perguntando por que estou escrevendo tudo isso? Para quem? Quem sou eu? Penso que sou uma pessoa que tem sofrido, como tantos e tantas brasileiras e brasileiros, a tristeza de ver, especialmente nos últimos 3 anos, um país sendo despedaçado, de forma consciente e determinada por políticas públicas que não interessam ao povo brasileiro, exceto aquela parcela de sempre, que detém o poder e os benefícios deste modo de produção.

Sei que para enfrentar estes desafios não há solução mágica. Tenho somente convicção que não dependerá somente de uma pessoa, de um político… Dependerá de todas e todos, cada um de nós assumirmos alguma atitude que contribua para a reversão deste quadro.

Se o que escrevi contribuir para a reflexão, e quem sabe para alguma ação no sentido contrário a esta tragédia que estamos mergulhados, terá compensado.

* Maria Inez Padula Anderson, mãe, avó, médica de família e comunidade, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mestrado e doutorado em saúde coletiva e, atualmente, diretora cientifica da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade

Postado em 09/05/2021 às 21:00 - Artigo publicado originalmente no blog do Leonardo Boff

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