14/12/2014

ARTIGO

Experiência do mundo

Por Maria do Perpétuo Socorro Wanderley de CastroDesembargadora do Trabalho e Professora da UFRN

Experiência é uma palavra que implica reiteração, repetição alongada de gestos, atos, comportamentos. Atualmente, a sociedade de consumo buscou resignificá-la. No mundo em que o instante é o traço definidor da vida e das coisas, que a novidade e até a antecipação assumem lugar preponderante, a experiência também se desvestiu da repetição. A experiência se tornou o momento único, destinado a ficar em um local, um dia, um período curto. E assim, tudo muda rapidamente, tornando a alegria e a própria vida fugaz. Com a destinação de se locomover incessantemente, entre ruas, automóveis, vitrines de shoppings, passam- se os instantes cada vez mais curtos e as alegrias cada vez mais efêmeras a reclamarem outras ruas, outros automóveis, outras vitrines para que o movimento continue e seja o novo.

Assim mesmo, experiência ainda tem um velho significado, que se refere à construção do próprio ser. A alma que busca a luz, o espírito que busca o amor. No Advento, ela se volta para a esperança, as promessas que aguardam no coração da pessoa humana e podem redimensionar sua própria vida, para além das aparências e das coisas da vida moderna. Nesse momento, surge a grande e definitiva pergunta do ser humano. Qual o sentido da vida? Qual o verdadeiro objeto da busca?

Para defini-lo, a vida muitas vezes provoca surpresas que mesmerizam o olhar mais do que os out-doors. Atrai o olhar interno para reconfigurar o mundo. Nesse instante, afloram os sentimentos, que se instalam soberanos e impõem a reflexão, o cuidado, a atenção com as pequenas coisas. Surge a solidão, como forma de estar consigo mesmo, bem diferente daquela solidão por entre a gente. Rilke dizia é bom estar só porque a solidão é difícil. É feita da aspereza de buscar e reconhecer a si próprio, mas é firme porque atinge a profundeza do espírito . Ela atrai a simplicidade tocante de uma rosa, o cheiro suave de um lírio, .o fulgor de uma estrela no céu, a fita vermelha que se fez laço para, unindo, embelezar gestos . E então, as pessoas se surpreendem e envolvem na possibilidade de ligação com a eternidade. Pela solidariedade. Pela convicção de que o bem pode ser feito de forma geral, por meio de um gesto, de um sorriso, de um olhar, de uma mão estendida. Nestes últimos tempos passei a descobrir pessoas assim, que retomam o traçado de sua vida e abrem espaços para o outro, superando a individualidade tão forte e dura característica de nosso tempo. São pessoas que fazem da generosidade seu modo de vida, e que surgem em plenitude de fé, da esperança; pessoas buscam abrir caminhos para que outros possam também vê-los e passar por eles, enriquecendo a si mesmas e a sociedade.

O pensamento sobre a vida é autoreflexivo, ao envolver as três dimensões do tempo, sem permissão contudo para ficar preso a qualquer delas. Nem estátua de sal, nem adivinho, mas também não apenas a vida no presente. É necessário também atentar para o amanhã que pode trazer o brilho intenso do sol ou a manhã chuvosa, ambos existindo em uma dimensão múltipla e inesgotável em significado. Mirando raios de sol ou gotas da chuva, integrar-se no universo e partilhar o que ele oferece, um sorriso, uma lágrima, uma chegada, uma partida, nas infinitas possibilidades que o ser humano, estando no mundo pode ter como a experiência do mundo.

Postado em 14/12/2014 às 12:00

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